ANAIS
VI FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE
Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Curitiba, 2008-2009
MUSEU DO SOM INDEPENDENTE: RESGATE, PRESERVAÇÃO E
VALORIZAÇÃO DA CULTURA LOCAL
Karana Mara Izidoro Silva*
Resumo:
Neste artigo procurou-se analisar e englobar a relação entre memória e história; o
crescente interesse pela preservação da memória; a definição dos lugares e suportes da
memória e sua importância. Enfatiza-se também o papel das instituições-memória, e sua
importância para a preservação da memória coletiva. Este trabalho tentará traçar, por fim, o
debate maior no qual está inserido: a preservação de um patrimônio, com a criação de uma
instituição-memória, o Museu do Som Independente.
Palavras-chave:
Memória, Preservação, Acervos Históricos, Musica Paranaense, Musin.
MEMÓRIA, RESGATE E PRESERVAÇÃO
Recentemente, empresas, instituições e indivíduos preocupados em preservar
sua história vêm aderindo à nova tendência, conhecida como responsabilidade
histórica, ou seja, ações cujos objetivos são a preservação, a valorização e a
divulgação da memória resgatada. O interesse público pela “memória coletiva” tem
crescido exponencialmente. Nos últimos anos, a preservação e o resgate da
memória tem estado no centro dos debates acadêmicos no Brasil. Ele se expressa
de forma evidente em debates sobre “patrimônios culturais”.
Porém, esta constante busca pela preservação da memória coletiva não
ocorre somente em meios acadêmicos. Percebe-se um crescente interesse,
igualmente notório em comemorações de fatos históricos, no boom editorial de
biografias e livros memória, na construção de museus e centros de memória e
principalmente centros de memória virtuais. Para Márcia D’Aléssio, nesse período,
do senso comum às políticas públicas existe concordância sobre a
necessidade de preservação do passado. Mesmo os cultores do
‘novo’, os fiéis da religião do ‘moderno’, os militantes da mudança
permanente não ousariam pronunciar-se a favor da destruição dos
traços... Uma necessidade identitária parece estar compondo a
.
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Especialização em Comunicação e Cultura,
Comunicação, Cultura e Ideologia da Música.
experiência coletiva dos homens e a identidade tem no passado o
seu lugar de construção1
O apelo que nossa sociedade faz de preservação de sua memória é, em
última instância, a necessidade de reconstituição de si mesma. A busca do passado
como forma de se reencontrar, por isso, preservar vestígios, fósseis, objetos,
documentos etc. Em busca do resgate e preservação do passado, espaços como
bibliotecas, arquivos, museus, centros de documentação e os centros de memória,
tornaram-se locais de guarda das memórias do homem, ou seja, da memória
coletiva, por meio de informações registradas em diferentes suportes.
Estas instituições-memória nos levam a pensar na própria definição de
memória e na importância que estas instituições, a partir dos documentos que detêm
e preservam, representam para o estudo e para produção histórica, pois são, com
constância, as principais fontes para os historiadores e demais pesquisadores.
Segundo a definição de dicionário2, a memória é a capacidade de reter,
recuperar, armazenar e evocar informações disponíveis, seja internamente, no
cérebro (memória humana), seja externamente, em dispositivos artificiais (memória
artificial). Já a memória coletiva3 é partilha, transmitida e também construída pelo
grupo ou sociedade. Ela se distingue da memória individual.
LUGARES E SUPORTES DA MEMÓRIA
Desde o surgimento da Escola de Annales, em 1929, a concepção de
documentos foi ampliada, deixando de referir-se somente a documentos oficiais.
Com a História Nova, os historiadores passaram a valorizar a pluralidade de fontes
documentais, procurando as informações não somente nas tão privilegiadas fontes
primárias dos arquivos históricos e oficiais.
A crítica à noção de documento pela Escola dos Annales possibilitou a
utilização de diversos documentos ou suportes de memória. A partir de então, se
ampliou o campo do documento histórico, fundamentado essencialmente nos textos,
para uma história baseada numa multiplicidade de documentos, como escritos de
1
D’ALÉSSIO, Márcia Mansor. Memória: leituras de M. Halbwachs e P. Nora. In: Revista Brasileira de
História, São Paulo, Marco Zero, ANPUH, v. 13, n. 25-26, p. 97-103, set. 1992 -ago. 1993. p. 97.
2
Língua Portuguesa On-line. Dicionário. Disponível em:
3
Termo criado por Maurice Halbwachs, sociólogo francês da escola durkheimiana, e sua obra mais
célebre é o estudo do conceito de memória coletiva.
todos os tipos, documentos figurados, produtos de escavações arqueológicas,
depoimentos orais, estatísticas, fotografias, filmes, objetos tridimensionais, obras de
arte, entre outros, em diversos tipos de suportes, como metal, madeira, vidro etc. Enfim,
outros “suportes de memória”, que foram criados com o objetivo de perpetuar
eventos, homenagear personagens ou mesmo criticar ou enaltecer algum
acontecimento histórico. Todos esses “suportes de memória” são essenciais para
preencher as lacunas e os silêncios das fontes.
Com a ampliação da concepção de documento histórico, as instituições-
memória ou “lugares de memória”, passaram e dar mais importância e a se
apropriarem desses suportes. A expressão “lugares de memória” foi cunhada pelo
historiador Pierre Nora e por ele definida como “lugares que contribuam para o
estreitamento dos laços entre história, memória e experiência, permitindo a
articulação entre passado, presente e futuro”4.
Para Nora, os lugares de memória são espaços criados pelo individuo
contemporâneo diante da crise dos paradigmas modernos, isto é, arquivos, museus,
centros de documentação e os centros de memória, instituições criadas com um
objetivo semelhante, preservar a memória e a história para as gerações futuras.
Estes lugares da memória reúnem acervos a partir de uma linha temática.
Encontram-se atualmente museus e centros de memória em diversas temáticas e
diferentes áreas, como artes, artes sacras, arqueologia, história natural, etnografia,
fonografia, iconografia etc.
MUSIN: PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA MUSICAL PARANAENSE
Diante da perda iminente, vive-se uma ‘fome de
memória’ que se materializa, entre outros, na
constituição de museus, centros de memória, de
documentação e arquivo que possam preservar
experiência de um cotidiano em vias de extinção.
Zilda Kessel
De uns tempos para cá, a necessidade de guardar documentos pessoais,
objetos, fotografias etc., disseminou-se largamente. Pierre Nora considera que “a
memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto”. É
preciso criar arquivos, já que a memória na modernidade não é mais espontânea.
4
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História, São Paulo,
PUC, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.
A nossa sociedade tem consciência de que a informação e principalmente a
música, aqui tratada, são um tanto quanto efêmeras. A música assume cada dia
mais importância como meio de expressão em nossos dias e por esse motivo torna-
se um relevante patrimônio.
Tendo em vista a relevância em se preservar a memória coletiva, o
pesquisador Manoel de Souza Neto idealizou e criou, como diz Nora, um lugar de
memória. Trata-se de um importante acervo que resgata a história da música
paranaense, o Museu Independente do Som – MUSIN, cuja diretoria é composta
pelo seu idealizador e pelos pesquisadores Elisabeth Seraphim Prosser, Rodrigo
Duarte e Marilia Giller.
O Musin é um importante acervo em formação, que partiu do material
recolhido por Souza Neto nos últimos vinte anos. É a maior documentação do
gênero no estado e o primeiro do Brasil. O acervo abrange a música
independenteno Paraná. Segundo dados disponíveis, são 10 mil folhetos e cartazes
de eventos culturais, 1.500 discos de vinil (LPs e compactos), cassetes e cds de
músicos locais, mil publicações, como fanzines, livros e informativos, e mais de 3 mil
fotos relacionadas ao tema, gravações inéditas em fitas cassete, vídeo e DVDs e
outros documentos. Trata-se do principal acervo em número de registros
fonomecânicos sobre compositores da música paranaense e tem como principal
objetivo preservar o passado e valorizar a cultura local.
Foto Marcelo Dallegrave. Disponível em:
A preservação de todo este material e a sua disponibilização apresentam
inúmeras possibilidades de pesquisa referentes à sociedade e cultura, como, por
exemplo:
· as influências culturais e sociais que a música exerce;
· seu desenvolvimento ao longo do tempo;
· a influência mútua entre a música e os demais movimentos culturais;
· os compositores que marcaram cada período ou gênero;
· os compositores ou músicos que impulsionaram o desenvolvimento de novas
formas, estilos e gêneros;
· os músicos, grupos e bandas que se destacaram no cenário local e até fora dele.
Enfim, uma gama de possibilidades de pesquisa, que só é possível após
justamente da criação de um lugar de memória.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O acesso à documentação histórica, preservada e disponibilizada no centro, traz
benefícios imediatos a quem dela usufrui, mas também resultados positivos em longo
prazo, pois se trata da valorização, da reconstituição e da partilha da memória coletiva.
Assim, a preservação da memória da música paranaense, afirma a grande
máxima de Nora, que não há memória na sociedade contemporânea, o que há são
tentativas de se acessar essa memória. Tentativa esta que, no caso do Museu
Independente do Som -Musin, se dá por meio de uma ação individual, atingindo o
coletivo. Mais que a necessidade de manutenção de um local de preservação, a
mobilização em torno deste material está diretamente ligada ao que Nora coloca
como apropriação dos lugares de memória pelos grupos sociais em sua constante
necessidade de reconstituição e busca de si mesmos.
REFERÊNCIAS
CARVALHAL, Juliana Pinto. Maurice Halbwachs e a questão da Memória.
Disponível em:
D’ALÉSSIO, Márcia Mansor. Memória: leituras de M. Halbwachs e P. Nora. In:
Revista Brasileira de História, São Paulo, Marco Zero, ANPUH, v. 13, n. 25-26, p.
97-103, set. 1992 - ago. 1993.
Língua Portuguesa On-line. Dicionário. Disponível em:
em: 5 jul. 2008.
MEDRONI, Melissa. Museu do Som Independente. Disponível em:
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto
História, São Paulo, PUC, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.
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